“Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos para saber o que seremos.” (Paulo Freire)
Clinicando para adultos em meu consultório como sexóloga, terapeuta tântrica e sexological bodywork constato em minha atividade diária diversos problemas sociais.
O contexto da sexualidade adulta
A falta de educação sexual, repressão sexual, traumas sexuais e machismo provocam diversas disfunções. Ejaculação precoce, disfunção erétil, anorgasmia (falta de orgasmo), dispareunia (dor na relação), vaginismo (contração involuntária da vagina que impossibilita a penetração), DSH – Desejo Sexual Hipoativo (falta de desejo em fazer sexo) são algumas disfunções que observo.
Além disso, o novo comportamento, principalmente masculino, no hábito excessivo de assistir pornografia está alterando os relacionamentos afetivos. Tal prática gera uma limitação desse homem na capacidade de “sentir”.
Além dessas disfunções sexuais que impedem que homens e mulheres tenham um relacionamento sexual satisfatório, identifico como as mulheres carregam muita culpa e vergonha em sua sexualidade. Uma vergonha de seus corpos e a culpa em sentir prazer.
Os homens por sua vez têm o peso de apresentar sempre o padrão da masculinidade e virilidade. Isso inclui preocupação com o tamanho do pênis e seu desempenho performático. Esses homens apresentam dificuldades em mostrar sua afetividade e vulnerabilidade nas relações e muitas vezes não conseguem lidar com a nova mulher contemporânea.
Todo esse comportamento vem da formação da sexualidade que foi construída ao longo da vida, desde a primeira infância. Só através de uma educação sexual abrangente e consciente é que poderemos evitar alguns problemas futuros como os acima citados.
Podemos construir uma sexualidade mais saudável
Tenho certeza que podemos construir uma sexualidade mais saudável. Nesse ponto, é importante que haja uma educação sexual abrangente de qualidade com crianças e jovens. Assim, formaremos adultos mais conscientes do seu corpo, prazer, energia latente, da sua vida como um todo e de suas responsabilidades.
É importante também entendermos a diferença entre sexo e sexualidade. Quando falo de sexo estou falando do coito em si: pênis e vagina. Posso também estar me referindo ao gênero: sexo masculino e sexo feminino. Já a sexualidade é uma palavra nova que abrange esse novo conceito de sexo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) sexualidade é
[…] parte integral da personalidade de cada um. É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado dos outros aspectos da vida. Sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais do que isso é a energia que motiva encontrar o amor, o contato e a intimidade e se expressa na forma de sentir, na forma de as pessoas tocarem e serem tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e tanto a saúde física como a mental. Se a saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada como um direito humano básico.
A OMS também deixa claro que a sexualidade é um dos três pilares da qualidade de vida. Considerando que ela existe desde o nascimento ate a morte. É importante frisar que, sendo um direito do ser humano, a partir do momento que essa saúde sexual está comprometida por fatores biológicos, psicológico, culturais ou sociais, a pessoa não só tem o seu direito negado, como uma qualidade de vida a desejar.
Sendo a sexualidade tão importante, como se encontra a educação da sexualidade nos principais meios de aprendizagem – casa e escola?
Quase que não se encontra. A sexualidade sempre esteve presente em nossos lares, nas escolas, na convivência com os priminhos, amiguinhos de rua. Mas, pensando em umas décadas atrás, a sexualidade era vivida e experimentada de uma forma velada e proibida, mediante uma “educação sexual” recriminada, castrada, ameaçada ou até punida fisicamente pelos pais ou educadores. (E esses são os adultos que recebo hoje, com muitos problemas). Os tempos eram outros e consequentemente as crianças e jovens também, mas tudo muda, tudo evolui.
Lembro do aparelho de telefone de disco que tínhamos na nossa casa que ficava na sala, onde todos escutavam nossas conversas. Hoje foram substituídos pela comunicação individualizada dos celulares. As consultas escolares eram feitas através dos livros nas silenciosas bibliotecas. A bibliotecária sabia exatamente o que você lia e levava para casa. Hoje esses mesmos trabalhos escolares são feitos pelos computadores, muitas das vezes nos quartos das crianças ou na casa dos amigos. As musicas que ouvíamos através dos discos de vinil eram juntamente com a família. Hoje as crianças escutam música pelo spotify. Na maioria das vezes, os pais nem participam dessas escolhas.
Mas agora eu te pergunto… Como você acha que essas evoluções estão interferindo na construção da sexualidade de nossos filhos? Quanto a educação sexual evoluiu perante essas evoluções que falamos? Muito pouco. Ainda continuamos com uma estrutura muito parecida. Praticamente inexistente no ambiente familiar e escolar.
A abordagem da sexualidade escolar continua com o professor de biologia explanando sobre os órgãos genitais masculinos, femininos, falando da reprodução, da gravidez indesejada e das infecções sexualmente transmissíveis. Isso é extremamente importante, mas é muito pouco perante o cenário que hoje vivemos. Foi válido há décadas atrás, mas precisamos também evoluir nesse sentido.
Uma perspectiva futura para a educação sexual
Precisamos falar sobre o namorar, o ficar, o aprendizado das relações, das nossas responsabilidades e respeito e como tudo isso se interage com as emoções e sentimentos. De acordo com a socióloga Jacqueline Pitanguy, da ONG Cepia, a “educação sexual é muito mais do que o funcionamento biológico do corpo, a educação sexual tem a ver com cidadania, com direitos humanos”.
Os pais por outro lado, fazem o melhor possível, mas a maioria das vezes não sabe como conduzir esse assunto. Primeiro porque eles mesmos não receberam essa formação. Talvez porque sua própria sexualidade ainda tenha questões a serem trabalhadas e consequentemente não se sente confortável para conversas.
Então precisamos todos nós, nos preparar para esses novos tempos.